Blog

23 de abril de 2025

Quando a Inteligência Artificial falha: Interesse Processual e o “NÃO” no formulário do INSS

por Matheus Azzulin

O uso de inteligência artificial nos processos do INSS tem gerado indeferimentos automáticos por falhas em formulários, comprometendo o direito à aposentadoria e o acesso à Justiça. Entenda os riscos do formalismo e o que dizem os tribunais.

A digitalização dos processos administrativos do INSS e a incorporação da inteligência artificial (IA) têm sido apresentadas como grandes avanços na seara previdenciária. Sem dúvidas, a promessa de mais celeridade e eficiência nos atendimentos gera legítima expectativa, sobretudo diante da conhecida morosidade da Autarquia. 

No entanto, na prática essa modernização vem revelando uma série de efeitos colaterais que merecem atenção, especialmente quando falamos do reconhecimento da atividade especial.

Entre esses efeitos, um de forma mais evidente tem se repetido com frequência preocupante: a resposta equivocada no formulário digital do INSS sobre o exercício de atividade especial — e o impacto que isso gera no processo judicial. Ao protocolar um pedido de aposentadoria, o segurado deve preencher um formulário eletrônico. Entre as perguntas, uma delas é se o requerente exerceu atividade especial: SIM ou NÃO?

A lógica automatizada por trás dessa pergunta é simples: se a resposta for “SIM”, o sistema dará andamento à análise do tempo especial, exigindo a documentação correspondente. Mas se o segurado responder “NÃO”, ainda que por engano ou desconhecimento, o resultado pode ser o encerramento automático do processo, sem qualquer análise do período especial, mesmo que provas tenham sido anexadas ou um requerimento escrito tenha sido apresentado.

Formalismo perigoso no Judiciário

O cenário se agrava quando, diante do indeferimento administrativo, o segurado busca o Poder Judiciário para obter o reconhecimento da atividade especial.

Em diversas decisões, tem-se entendido que, ao declarar “NÃO” no formulário, o segurado “abre mão” de seu interesse de agir. Em outras palavras, muitos juízes e juízas consideram que não há interesse processual em discutir judicialmente um ponto que não teria sido levado ao conhecimento do INSS. Ocorre que esse apego ao formalismo deixa de lado e ignora o direito material pretendido em juízo.

IA é meio, não fim — e não pode inviabilizar direitos

A utilização da IA deve ter como norte facilitar a vida do segurado, e não criar novos obstáculos. Quando o algoritmo ignora documentos relevantes apenas porque houve um “NÃO” clicado em um campo, temos um exemplo clássico de formalismo que compromete o devido processo legal e o acesso à Justiça.

É preciso lembrar que muitos segurados protocolam seus pedidos sem acompanhamento jurídico, e não se pode presumir deles conhecimento sobre normas previdenciárias ou regras processuais. 

INSS possui o dever de orientar e conceder o melhor benefício

O próprio Enunciado 01 do CRPS reforça esse princípio:

“A Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o beneficiário fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido.”

A responsabilidade do INSS vai além de apenas processar dados: envolve informar, orientar e atuar com boa-fé objetiva, garantindo o direito mais vantajoso, mesmo que o requerente cometa algum erro no preenchimento de formulário eletrônico.

Tribunais reconhecem o problema

Com um olhar atento e digno de nota, os Tribunais vêm reconhecendo esse problema causado pela implantação de inteligência artificial nos processos administrativos do INSS, como muito bem se infere dos seguintes precedentes:

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. INTERESSE DE AGIR. INDEFERIMENTO AUTOMÁTICO PELA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL. AUSÊNCIA DE REVISÃO HUMANA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. RETOMADA DO TRÂMITE REGULAR DO FEITO. [...] É irrelevante o fato de o segurado não ter assinalado no requerimento eletrônico que pleiteava o reconhecimento de tempo de serviço (urbano, rural e/ou especial), quando peticionado expressamente o reconhecimento do período e/ou juntada documentação capaz de embasar o pleito, não havendo falar em óbice intransponível à análise meritória. 1.2 A implantação de sistemas de inteligência artificial pelo Poder Público deve contribuir para uma melhor prestação estatal (mais célere, mas também justa), facilitando o acesso aos serviços públicos e resguardando os direitos da população, de forma que as limitações técnicas das IA não podem vir em prejuízo da parte hipossuficiente. 1.3 O indeferimento automático pela inteligência artificial em casos como o da espécie, sem a devida sujeição à revisão humana, acaba por consubstanciar uma decisão genérica e desmotivada, na contramão do dever de orientação adequada do Serviço Social, da garantia dos direitos fundamentais e, ao fim e ao cabo, do próprio Estado Democrático de Direito. 2. Não estando o feito maduro para julgamento, a sentença deve ser anulada, com a devolução dos autos à origem para a retomada do regular processamento do feito. (TRF4, AC 5014364-16.2024.4.04.7205, 9ª Turma, Relator para Acórdão JOSÉ ANTONIO SAVARIS, julgado em 13/03/2025)

EMENTA: [...] 1. Configura-se o interesse processual quando o segurado formula prévio requerimento de análise de tempo especial, por escrito, na via administrativa, acompanhado dos formulários previdenciários correspondentes. 2. Eventual equívoco no preenchimento do formulário de requerimento de aposentadoria não justifica o indeferimento automático do benefício. 3. O encerramento do processo administrativo sem a análise adequada do conjunto fático probatório, por meio de prolação de decisão genérica, sem a devida motivação, caracteriza-se como prestação deficitária do serviço público, com prejuízo à concretização aos direitos à Seguridade Social, em franca ofensa aos princípios da motivação e da eficiência da Administração Pública. [...] (TRF4, AC 5001305-13.2023.4.04.7005, 10ª Turma, Relator para Acórdão LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, julgado em 28/01/2025, com grifos acrescidos)

A IN 128/2022 e o dever de fundamentação

A própria Instrução Normativa nº 128/2022 do INSS exige fundamentação clara e individualizada em qualquer decisão administrativa:

Art. 574. A decisão administrativa, em qualquer hipótese, deverá conter despacho sucinto do objeto do requerimento administrativo, fundamentação com análise das provas constantes nos autos, bem como conclusão deferindo ou indeferindo o pedido formulado, sendo insuficiente a mera justificativa do indeferimento constante no sistema corporativo do INSS.

§ 1º A motivação deve ser clara e coerente, indicando quais requisitos legais foram ou não atendidos, podendo fundamentar-se em decisões anteriores, bem como em notas técnicas e pareceres do órgão consultivo competente, os quais serão parte do processo se não estiverem disponíveis ao público e não forem de circulação restrita aos servidores do INSS.

§ 2º Todos os requisitos legais necessários à análise do requerimento devem ser apreciados no momento da decisão, registrando-se no processo administrativo a avaliação individualizada de cada requisito legal.

 [...]

Art. 575. O interessado será comunicado da decisão administrativa com a exposição dos motivos, a fundamentação legal e o prazo para protocolo de processo administrativo de recurso, quando houver.

 [...]

Pois bem! A automatização é bem-vinda, mas exige cautela. Não se pode admitir que um erro simples no preenchimento de um formulário digital inviabilize a análise do direito à aposentadoria ou o acesso ao Judiciário. Nesse contexto, a IA deve ser um meio de concretização de direitos. Que não nos esqueçamos de que o sistema existe para servir à pessoa, e não o oposto.

E você, colega, já se deparou com situações semelhantes? Como tem sido o entendimento nos tribunais em que atua? Abração!

Com o Prevlaw você tem todas as ferramentas para garantir o melhor benefício para o seu cliente!

Otimize a sua rotina previdenciária, com as ferramentas mais atuais e modernas no mercado para facilitar o seu dia a dia.

No PREVLAW você encontra um gestor de escritório eficiente, modelos de petição, assinador, cursos, sistemas de cálculos e muito mais!


Essas informações foram úteis para você? Aqui no Prevlaw, nos dedicamos para levar esse tipo de conhecimento até você, seja advogado(a) ou não. Preparamos nossos conteúdos para que todos possam entender.

Fique ligado aqui no site e também em nossas redes sociais para não perder nenhuma informação como a de hoje! Postamos conteúdos todos os dias!

Caso tenha ficado alguma dúvida, você pode nos chamar através dos nossos canais de atendimento aqui embaixo. Será um prazer recebê-lo(a)!

Colunista desde

LinkedIn de undefined

Sobre o autor desse conteúdo

Colunista

Veja todos os artigos chevron_right

Quer se tornar parceiro?

Assine nossa newsletter