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9 de maio de 2024

Desvincular benefícios do INSS do salário mínimo: Uma ideia de mal gosto.

por Yoshiaki Yamamoto

Desvincular benefícios do INSS do salário mínimo: Uma ideia de mal gosto.

No dia 2 de maio, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, publicou em seu perfil do X uma recomendação de artigo de Bráulio Borges, economista da FGV, sobre a questão das contas públicas:

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No artigo, Borges defende, em síntese, que a solução para o déficit público seria desvincular os benefícios do INSS (RGPS) da garantia do salário mínimo como piso do valor de aposentadorias, pensões, auxílios e do BPC/LOAS. 

Alguns dias depois, a Ministra do Planejamento, Simone Tebet, confirmou que a ideia de acabar com a garantia do salário mínimo para benefícios do INSS é discutida nos bastidores do Governo.

Nesse post eu abordo o porque essa ideia é péssima, tanto do ponto de vista jurídico quanto sob o prisma da sociedade. 

Desvincular benefícios do INSS do salário mínimo: uma péssima ideia

Em primeiro lugar, é preciso pontuar que a ideia que vem sendo discutida é péssima sob o prisma da sociedade.

É de conhecimento geral que o valor atual do salário mínimo nacional atualmente não é capaz de atender a necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social (conforme prevê o artigo 7º, IV da Constituição).

Portanto, sequer estamos falando de um valor que consiga atender as necessidades básicas de um ser humano. 

Nesse sentido, o RGPS (INSS) tem cerca de 60% dos seus benefícios (aposentadorias, pensões, auxílios) pagos no valor de 1 salário mínimo. 

Há uma tendência deste número aumentar cada vez mais, na medida em que a Reforma da Previdência (EC 103/2019) piorou (e muito) a forma de cálculo das aposentadorias, fazendo com que somente segurados com muito tempo de contribuição consigam obter 100% da sua média contributiva. 

Assim, já há uma tendência natural de que no futuro, a partir da EC 103/2019, o percentual de benefícios de salário mínimo seja cada vez maior.

Nesse cenário, a ideia do governo de tirar mais essa garantia de valor mínimo, nos parece péssima. 

Isso, pois os momentos em que uma pessoa passa a receber um benefício (invalidez, velhice, morte de provedor da família) são justamente os momentos mais complexos e difíceis das nossas vidas. A previdência social é um grande acordo da sociedade, que garante que nos momentos difíceis, a sociedade irá garantir um mínimo existencial para quem contribuiu com o desenvolvimento da coletividade.

A propósito, cito aqui um artigo recentíssimo da revista The Economist que demonstra que os idosos da Coréia do Sul e do Japão, dois dos países mais ricos do mundo, estão enfrentando severas dificuldades em sobreviver, na medida em que aposentadorias e pensões não estão dando conta do mínimo para sobrevivência.

O artigo cita que na Coréia do Sul, que é usada no debate público como exemplo a ser seguido, mais de 40% dos idosos com mais de 65 anos de idade vivem ABAIXO da linha da pobreza. Ainda, o artigo cita que países europeus tendem a observar a mesma dinâmica nos próximos anos.

Portanto, até mesmo os idosos que vivem em países desenvolvidos enfrentam graves problemas em sobreviver com os rendimentos de suas aposentadorias e pensões. 

Logo, em um país subdesenvolvido, como é o Brasil, tirar a última das garantias de um mínimo (ainda que insuficiente) para a velhice digna de aposentados, e a recuperação adequada de inválidos, me parece uma ideia perversa e de péssimo gosto. 

OBS: Sobre o BPC/LOAS, a lógica é pior ainda, na medida em que é um benefício assistencial para pessoas com deficiência e idosos em estado de miserabilidade, que estão em verdadeiro estado de degradação social.

Desvincular benefícios do INSS do salário mínimo: uma ideia inconstitucional

Além de ser uma péssima ideia sob o ponto de vista social, a ideia de acabar com a garantia do salário mínimo para benefícios do INSS me parece inconstitucional.

A Constituição garante que a Previdência Social atenderá a cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada (art. 201, I). A mesma Constituição, em sua redação original (constituinte originário), garantiu que tanto os benefícios do INSS quanto o BPC/LOAS não poderão ser inferiores ao salário mínimo (art. 201, §5º, na redação originária, e art. 203, V). 

Ou seja, o Constituinte Originário em 1988 deixou explícito que o salário mínimo seria uma garantia mínima, uma espécie de núcleo essencial de direito fundamental, prevista no texto da Constituição, justamente para evitar qualquer tipo de discussão e insegurança quanto a essa questão.

É sabido que o princípio da proibição do retrocesso social não costuma ser utilizado como fundamento pelo STF para barrar reformas previdenciárias. Contudo, aqui me parece que há um ponto diferencial: a garantia de salário mínimo para benefícios do INSS e do BPC/LOAS é uma imposição do Constituinte Originário. A Assembléia Nacional Constituinte já sabia que deveria haver uma garantia mínima para quem não tem condições de trabalhar (seja pela velhice, seja por doença). 

Em outras palavras: não se trata meramente de mudanças de regras de aposentadoria (idade mínima, cálculo, tempo de contribuição). Para essa mudança ocorrer, seria preciso revogar os artigos 201, §2º e 203, V, da Constituição. 

No julgamento do ARE 639.337, o relator, ministro Celso de Mello, esclareceu que 

"o princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. (...). Em consequência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar — mediante supressão total ou parcial – os direitos sociais já concretizados." 

Assim, me parece que essa situação seria justamente caso de inconstitucionalidade pela aplicação do referido princípio, aliado ao princípio da proibição de proteção deficiente de direito fundamental, que protege o núcleo essencial do direito fundamental à seguridade social. 

Concluindo: mas, o que fazer, então?

Diante desse cenário que coloquei, é preciso que toda a comunidade previdenciária (advogados, defensores públicos, professores, juízes, aposentados, pensionistas, trabalhadores, etc) pressionem nossos congressistas para - em caso de envio dessa proposta pelo Executivo - que ela seja sumariamente rejeitada. 

É de bom tom lembrar que garantias sociais, uma vez perdidas, dificilmente são recuperadas (até o momento, não há registro de reformas previdenciárias estruturais que aumentaram benefícios ou facilitaram o seu acesso). 

Nesse contexto, a hora da comunidade jurídica se manifestar é agora, antes mesmo do envio de eventual PEC. Os mais vulneráveis, justamente quem tem direito a benefícios de salário mínimo, não podem ser penalizados antes de aqueles com maior capacidade contributiva fazerem sua parte, seja pela extinção de renúncias e benefícios fiscais, seja por reformas que tragam maior progressividade aos tributos. 

Por fim, é sempre importante lembrar que a seguridade social não é financiada somente por contribuições previdenciárias dos trabalhadores e patrões. A Constituição previu que a folha salarial, o faturamento e o lucro das empresas seriam tributados para financiar a seguridade. As receitas de PIS/PASEP, CSLL e diversos outros tributos têm a função de financiar a seguridade social, logo, quando você consome qualquer produto no mercado, por exemplo, está financiando a seguridade social. 

Infelizmente, na última década, com a criação da DRU (Desvinculação de Receitas da União), até 30% dos tributos que financiariam a seguridade social, são transferidos e usados para outros fins pelo Estado. Se tais recursos fossem usados para a seguridade social, ela seria superavitária (conforme já demonstrado em vários estudos).

Portanto, a seguridade social é depenada pela DRU e a partir desta fotografia, governos vêm sucessivamente “empurrando goela à baixo” reformas que atingem os setores mais vulneráveis da sociedade, ao mesmo tempo em que as receitas da seguridade são desviadas (ainda que licitamente) para outros fins. 

É hora de se manifestar contra essa proposta, antes que seja tarde.


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