Blog
21 de novembro de 2024
Direito à Prova no Processo Previdenciário: O Juiz Pode Indeferir Prova Pericial?
Direito à Prova no Processo Previdenciário: O Juiz Pode Indeferir Prova Pericial?
Todo advogado(a) previdenciarista já sabe. É frequente a postura negligente do INSS na análise e condução de processos administrativos previdenciários. A questão se agravou ainda mais com o uso da inteligência artificial e os indeferimentos automáticos.
O problema se intensifica quando a Justiça age como mera extensão desse sistema falho, ignorando a busca pela verdade real, negligenciando o devido processo legal e optando por atalhos para a improcedência.
Quais os instrumentos jurídicos que nós, advogados, temos para lutar contra esse cenário? É sobre isso que falo a seguir.
Primeiro: O Direito à prova vai além do ônus probatório
É sabido que cabe ao autor provar os fatos que embasam seu direito. No entanto, essa regra não pode se sobrepor às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. O direito à prova deve ser interpretado como parte essencial da busca pela verdade real e pela justiça.
A jurisprudência já reforçou esse entendimento. Vale citar trecho de decisão proferida pelo Desembargador Celso Kipper do TRF da 4ª Região:
“O direito à prova é componente inafastável do princípio do contraditório e do direito de defesa. O problema não pode ser tratado apenas pelo ângulo do ônus (CPC, art. 333). Necessário examiná-lo do ponto de vista da garantia constitucional ao instrumento adequado à solução das controvérsias, dotado de efetividade suficiente para assegurar ao titular de um interesse juridicamente protegido em sede material a tutela jurisdicional.” (Bedaque, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 5. Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2011, pp. 26-27) (TRF4, AC 5009583-38.2011.4.04.7000)”
Em resumo, o juiz tem o dever de complementar as provas quando necessário, buscando a verdade real para alcançar uma decisão justa, capaz de promover a paz social.
Restrições ao direito à prova na prática. O Juiz pode indeferir a prova?
Na prática previdenciária, é comum que tanto o INSS quanto o Judiciário argumentem, de maneira genérica, que “a parte autora tem ônus de comprovar seu direito”. Essa afirmação é reiteradamente utilizada para o indeferimento de provas essenciais, como a testemunhal ou pericial.
Um exemplo típico é a comprovação de atividade especial em empresas extintas ou com registros genéricos na carteira de trabalho. Sem o depoimento de testemunhas, fica impossível detalhar as atividades exercidas. Negar esse direito significa, na prática, também negar o direito à aposentadoria.
Contudo, o juiz não pode simplesmente negar a produção de prova solicitada pela parte sem justificativa. De acordo com o artigo 370 do CPC, a decisão deve ser devidamente fundamentada, ou seja, o magistrado precisa apresentar os motivos que o levaram a considerar a prova desnecessária.
Outra prática comum em processos de aposentadoria especial é a sentença logo depois da contestação do INSS. Nesses casos, não há oportunidade de produção de provas, saneamento do processo e tampouco prazo para alegações finais.
É a verdadeira “sentença surpresa”. Obviamente contrária à disposição do art. 10 do CPC (princípio da não surpresa). Além disso, há claramente afronta ao devido processo legal, ao contraditório e ao direito de defesa, princípios esculpidos no artigo 5º, inciso LIV e LV.
Ao menos, quando se demonstra em recurso que a produção de provas é essencial para adequada solução da lide, há farta jurisprudência anulando sentenças pelo cerceamento de defesa. Nesse sentido:
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL. REABERTURA DA INSTRUÇÃO. SENTENÇA ANULADA. Ocorre cerceamento de defesa quando indeferida prova necessária ao deslinde do feito, devendo ser anulada a sentença, reabrindo-se a instrução, a fim de que seja realizada prova testemunhal e/ou pericial, para comprovar a exposição ou não a agentes insalubres, perigosos e/ou penosos no período laboral. (TRF4, AC 5000431-94.2020.4.04.7114, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 10/09/2022)
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. NEGATIVA DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA TÉCNICA. ATO ESSENCIAL. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. PREJUDICADO O EXAME DA APELAÇÃO. 1. Sendo a realização de prova pericial ato essencial para o deslinde da lide, impõe-se a anulação da sentença a fim de propiciar a reabertura da instrução processual. 2. Prejudicada a análise do mérito da apelação. (TRF4, AC 5013521-83.2017.4.04.7112, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 09/12/2021)
Reflexão Final
O direito à prova é um pilar fundamental para garantir decisões justas nos processos previdenciários. Quando ignorado ou restringido, compromete não apenas o direito à defesa e ao devido processo legal, mas também a própria dignidade do segurado.
Cabe a nós, advogados(as), a perseguição do ideal de que o Judiciário deixe de ser apenas um reflexo do sistema administrativo deficiente do INSS e cumpra seu propósito de assegurar direitos e justiça social.